Ao entrar no palco em que apresentou suas versões de alguns dos sucessos de Michael Jackson, Sandy enviou uma primeira mensagem ao público, que permeia todo o espetáculo e funciona como motivo da montagem: não se trata de uma imitação, mas um show em caráter de homenagem. A advertência chegou de início à plateia do Palácio das Artes através do figurino usado pela cantora na última sexta-feira; reluzente como os ternos do rei do pop, a roupa de Sandy reverencia o artista sem cair no mau gosto das paródias — mérito conquistado também pelos arranjos em blues, jazz e baladas.

Planejadas pela vocalista e desenvolvidas com apoio da banda que a acompanha, as releituras contribuem para adequar as canções eternizadas na voz de Michael às capacidades vocais bem mais restritas da cantora. A versão de Bad que abre o setlist elimina a agressividade da gravação de 1987, compensada na elegância de um contrabaixo pesado que marca outra proposta para o hit — a ideia geral é adoçar as canções para que compatibilizem com a intérprete.

Adaptações como esta contribuem para a execução de outros sucessos do artista. Apesar de perderem muito do groove que havia nos vocais originais, as faixas dançantes dos anos 80 ganham instrumentação que as aproximam dos trabalhos de início da carreira adulta do homenageado. The way you make me feel, de 1987, é uma das que soam como se integrassem o álbum Off the wall, com sonoridade muito próxima da influência de Quincy Jones sobre Michael em seu disco de 1979.

A vasta obra do artista serve tanto como fonte generosa de repertório quanto como desafio sobre a limitação. Quando interpreta faixas cujas coreografias estão enraizadas na cultura popular, Sandy preserva o tom moderado das homenagens ao manter-se distante de representações de Michael. O espetáculo tem foco no conteúdo musical, e não na embalagem que as canções receberam para chegar ao mercado nos anos 70 e 80. Sua versão de Thriller desmonta as características mais lembradas do arranjo original e evita a temível reprodução da coreografia; a cantora até arrisca alguns passos, mas como brincadeira em relação à expectativa do público.

Em poucos intervalos para saudar a audiência, a cantora explicou seus motivos para ter escolhido dedicar-se ao repertório de Michael Jackson. Contou que, desde a infância, acompanhou a carreira do astro pop e procurou espelhar-se em suas posturas e decisões artísticas. Relembrou aos próprios fãs ali presentes que é parte de uma das gerações influenciadas por ele, mas não conseguiu evitar as manifestações exaltadas de seus admiradores, que chegaram a compará-la com o homenageado.

Leave me alone, do álbum Bad, serviu como conexão de contexto entre a cantora brasileira e o artista que arrebanhou milhões de fãs em todo o mundo. Lançada apenas nas edições em CD e cassete do disco, a composição de Michael trata da relação com os rumores e críticas lançados pela imprensa sobre sua vida pessoal — aspecto da obra com o qual Sandy afirmou se identificar fortemente.

Pedidos de canções que fazem parte de seu antigo repertório, da carreira ao lado do irmão, permearam toda a apresentação. Intenções que foram satisfeitas com a interpretação de I’ll be there, balada de The Jacksons 5 lançada em 1970 e regravada por Sandy & Júnior em seu quarto álbum, de 1994. Esta, ao lado de Ben, que Michael Jackson escreveu e gravou aos 14 anos, é a canção que registra maior identificação vocal de Sandy com a obra original no espetáculo.

O show de Sandy no Palácio das Artes é parte do Circuito Cultural do Banco do Brasil, que propôs a figuras de destaque na cena musical brasileira que revisitassem as obras de um entre seus artistas favoritos. Além do espetáculo dedicado ao cantor norte-americano, o Palácio das Artes recebe Maria Bethânia cantando Chico Buarque neste sábado, 28, e Lulu Santos interpretando Roberto e Erasmo Carlos no domingo, 29.