Um minuto e três segundos. Foi o tempo suficiente para fazer uma reflexão intimista e filosófica sobre as profundezas da alma humana, que guarda tantas identidades dentro de um só corpo. Foi o tempo suficiente para falar de todo um sentimento de fragilidade, presente tanto em homens quanto em mulheres, sejam adultos, crianças ou adolescentes. Foi o tempo suficiente para mostrar uma criança sozinha dentro de um quarto escuro, chamado “vida adulta”, e que fica ali, esperando um momento para sair e brincar à luz do sol. E foi com apenas um minuto e três segundos que Sandy conseguiu mostrar toda sua habilidade de poeta e de pianista com a música “Esconderijo”, que fecha seu primeiro álbum solo, “Manuscrito”.

“Esconderijo”, segundo a cantora, foi composta em 2009, pouco antes do início das gravações de seu primeiro disco sem o irmão Junior. Com uma letra tão curtinha, Sandy pensou, de início, que era uma música pequena demais, mas logo percebeu que ela não precisava de mais nada para passar sua mensagem – ela se bastava.

No período de gravações, Sandy teve acesso, pela primeira vez, a um piano Rhodes, modelo elétrico de piano inventado na década de 1940 por Harold Rhodes e que ficou famoso por sua inserção no jazz, cuja sonoridade é comum em músicas de artistas do naipe de Stevie Wonder e Tori Amos. Fascinada pelo instrumento, Sandy correu para testá-lo – e o técnico de som, para gravar o teste. A cantora logo ensaiou “Esconderijo” no Rhodes, e seus produtores – leia-se o marido, Lucas Lima, e o irmão, Junior – a convenceram a usar aquele ensaio como a base original da música.

Um tanto insegura no início, Sandy acabou cedendo, assim como ocorreu com a gravação da voz. No dia em que gravou a música, ela estava um tanto fragilizada e cansada – não dormira bem a noite anterior, conforme já contou em entrevistas, e possivelmente estava de TPM, com os hormônios à flor da pele – e apenas estava testando o microfone do estúdio. Ao ver que o técnico de som gravara o teste, Lucas e Junior perceberam que a gravação tinha o tom exato e a emoção necessária à música, e convenceram Sandy a usar a gravação. E, assim, “Esconderijo” entrou no disco e, mesmo com um minuto e três segundos, bastou para mostrar a melancolia que predominou em “Manuscrito”.

Muito se especula sobre quem seria o tal “menino assustado” de quem Sandy fala na letra – seria ela mesma, em um eu lírico masculino? Seria Junior? Lucas? Seu pai, Xororó? Segundo a cantora, não é alguém específico, mas uma condição da alma, um estado de espírito. Todos temos um cantinho da nossa alma que não devemos mostrar a ninguém, que é só nosso, que contém os segredos que só nós podemos saber. Mais uma vez, Sandy prova de que não precisa de muita firula para transmitir sua mensagem – basta um minuto e três segundos.